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domingo, 18 de maio de 2014

Nome do dia: Olívia, Rafael

Escolher o nome do segundo filho é muito mais fácil do que escolher o nome do primeiro, mas, paradoxalmente, é, ao mesmo tempo, muito mais difícil.

Explico-me: por um lado o universo dos nomes está reduzido de uma unidade: se antes havia N nomes possíveis, agora haverá N-1, já que estará fora de questão repetir o nome do irmão mais velho. Portanto, a dificuldade de escolha terá sofrido uma diminuição relativa de 1/N. Isto admitindo, bem entendido, que não foram criados nomes novos entretanto, o que, tenho de reconhecer, é uma hipótese otimista, que nem sempre se verifica. Nestas condições, uma análise mais completa do problema leva-nos à conclusão de que, no caso geral de terem sido criados X novos nomes após o registo do irmão mais velho, o acréscimo relativo de dificuldade na escolha do nome do irmão mais novo será de (X-1)/N.
Por outro lado, manda o bom senso que o nome do segundo membro da prole seja da mesma classe, em termos gerais, que o primeiro. Não faria sentido, numa família estruturada e funcional, que, por exemplo, o primeiro filho se chamasse Quetzicoátl (nome que lamentavalmente foi descartado em primeira opção para o irmão mais velho do núcleo familiar que é o objeto desta nossa análise) e o segundo se chamasse José ou Manuel. Quando o nome do primeiro filho é Quetzicoátl, é lógico e natural que o do segundo seja, por exemplo, Xiuhcoátl, significando “serpente de fogo” (indiciando que o gaiato se tornaria ou sportinguista, como o pai, dada a proximidade biológica entre serpentes e lagartos, ou portista, dada a analogia entre serpente de fogo e dragão) ou  Cuauhtémoc, significando aproximadamente “águia voadora” (nome muito apropriado dadas as simpatias clubísticas da mãe). Mesmo assim, uma análise mais profunda, far-nos-ia neste caso optar por Iccauhtli, que significa precisamente “irmão mais novo”.

Encontramos exemplos desta preocupação com a regularidade onomástica em todos os ramos ascendentes do nosso novo gaiato ou gaiata. Por exemplo, da parte do pai, temos Duarte e João, nomes de reis portugueses, e Joana, nome de princesa; da parte da mãe, temos Vera e Diana, dois nomes breves de grande impacto, com subtis conotações britânicas, assim evocando a longa aliança entre o nosso País e a Inglaterra. As conotações britânicas, para quem andar distraído, provêm dos Beatles, através de dois dos mais célebres versos de Paul McCartney, na canção “When I’m sixty-four”, do álbum Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band:

Grandchildren on your knee
Vera, Chuck and Dave.

Quanto a Diana, é o nome de uma princesa inglesa bastante conhecida.

Um nível acima, encontramos o mesmo comportamento. Com a avó materna temos Maria João, Duarte Manuel e Maria Manuel. Regularíssimo, portanto: tal como no caso do pai, nomes de reis portugueses, e neste caso até para as raparigas. Com o avô materno: Pedro João e Luís Miguel, novamente o padrão dos reis portugueses. Com a avó paterna, Isabel e Helena, dois nomes trissilábicos com seis letras, que encontramos reunidos harmoniosamente também na simpática atriz Helena Isabel. Com o avô paterno, José Eduardo, não pudemos testar a nossa teoria, pois não teve irmãos.

A necessidade de selecionar um nome compatível com Xavier, nome do irmão mais velho, é óbvia e imperiosa. Para o caso de se tratar de um rapaz, seguimos a técnica dos avós maternos do pai, o avô Acácio e a avó Joana, de uniformizar o comprimento dos nomes e o número de sílabas, aperfeiçoando-a, igualando também o comprimento das sílabas e ainda o padrão vogais-consoantes.
Portanto, precisamos de um nome para o gaiato com seis letras, com três sílabas, cada sílaba com duas letras e com o padrão igual ao do irmão: consoante-vogal-consoante-vogal-vogal-consoante.

A busca foi trabalhosa, implicou muitas horas de estudo, mas encontrámos o nome perfeito, que passa em todos os critérios: Rafael.

Para o caso de ser uma rapariga, aligeiramos as restrições e contentamo-nos com a uniformidade do comprimento, mas alargamos ao mesmo tempo o âmbito do padrão sonoro de forma a permitir nomes que são palavras esdrúxulas, por serem os mais harmoniosos. Novamente após muito estudo, chegamos ao nome perfeito, para uma gaiata irmã de Xavier: só pode ser Olívia.

Note-se que Olívia segue o mesmo padrão sonoro que Amélia, nome da primita mais chegada em termos etários. Além disso, o uso de nomes femininos esdrúxulos com terminação no suave semiditongo “ia” está muito presente em vários dos ramos ascendentes do nossa gaiata: a avó Lúcia, avó paterna da mãe, a avó Mabília, avó paterna do pai, a avó Virgínia, avó materna do avó materno, avó Estefânia, avó materna do avô materno da mãe, etc.

Saltamos aqui a questão do acento agudo, por a considerarmos ultrapassada.

Além da semelhança lexicográfica, Rafael partilha com Xavier uma forte componente religiosa: Xavier é nome de um santo muito poderoso do século XIV e Rafael é nome de arcanjo que vem do antigo testamento.

Os arcanjos, recordemos, eram os anjos com patente mais alta, no exército de Deus, por assim dizer. Convencionalmente há sete arcanjos, cujos nomes na tradição católica são Miguel, Gabriel, Rafael, Uriel, Salatiel, Jegudiel e Baraquiel. Se os três primeiros nomes são relativamente comuns, os outros quatro nem por isso, o que é uma pena, pois são também muito interessantes. Ficam aqui registados uma vez que, quem sabe, podem servir numa próxima ocasião.

Rafael, nome de arcanjo, tem um significado bíblico à altura: “Deus cura” no sentido de “Deus é quem nos cura” ou talvez, digo eu, “Deus é quem nos salva”.

O arcanjo Rafael também é santo, tal como os seus colegas Miguel e Gabriel. É frequentemente representado com um peixe, circunstância que será certamente muito apreciada pelo Xavier, irmão mais velho do nosso Rafael, ictiófilo confesso.



A história do peixe é muito edificante, e merece ser lembrada:

Rafael surge na Bíblia disfarçado de gente, como companheiro de viagem de Tobias, enviado por Deus para curar o pai de Tobias da sua cegueira e libertar Sara, noiva de Tobias, da influência do demónio Asmodeu. Consta que Asmodeu, o demónio, se apaixonou por Sara e não queria que ela casasse com ninguém. De cada vez que Sara se casava, Asmodeu conseguia entrar no quarto nupcial e matava o noivo, antes de o casamento se consumar. Fez isto sete vezes. Sara estava desesperada, compreensivelmente.

Entretanto, o pai de Tobias, que morava na cidade de Nínive, na Mesopotâmia,  encarregou-o de ir buscar uma certa quantia em dinheiro numa cidade longíngua, Ecbátana, na Média, por feliz coincidência a cidade onde vivia Sara. Rafael, enviado por Deus, disfarçou-se de homem e ofereceu-se para acompanhar Tobias na viagem.

Durante a viagem, pararam certo dia nas margens do rio Tigre. Aí, quando Tobias lavava os pés, foi atacado pelo tal peixe, que quase lhe comeu o pé. Por sugestão do anjo, Tobias pescou o peixe e tirou-lhe o coração, as guelras, o fígado e a bexiga.

A viagem continuou, até que chegaram a Ecbátana. Nessa altura, Rafael contou a Tobias as terríveis provações por que Sara repetidamente passava,  e explicou-lhe que ele, Tobias, tinha o direito de casar com Sara, porque era primo dela e o parente mais próximo. Não sei o que terá Tobias pensado do assunto, mas, não se assustem: o anjo ensinou Tobias a queimar o coração e o fígado do peixe para afastar o demónio Asmodeu, quando ele atacasse na noite de núpcias.

O truque funcionou e o demónio foi parar ao Egito. Esta parte não percebi muito bem, mas o facto é que Asmodeu nunca mais voltou a chatear Tobias e Sara.

Houve uma grande festa, para celebrar o casamento e a vitória sobre o demónio, após o que Tobias e Sara regressaram a Nínive com o dinheiro do pai de Tobias. Para a felicidade ser mais completa, Rafael ensinou Tobias a usar as guelras do peixe para curar a cegueira do pai, e, depois revelou a sua identidade e voltou para o céu.

Descontando o arcanjo, que na verdade não é humano, o Rafael mais ilustre é o Rafael Santos de Urbino (em italiano Raffaello Sanzio da Urbino), pintor e arquiteto da Renascença, que com Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci, forma a tríade de grandes mestres desse período.



Uma das obras mais famosas de Rafael é a Escola de Atenas, um esplêndido fresco na Stanza delle Segnatura, no Vaticano.

(escola de atenas)

Mais recentemente, temos o grande tenista espanhol Rafael Nadal, cujas inúmeras proezas tenísticas não caberiam neste breve texto. Vejam só esta amostra de alguns dos seus melhores pontos.
Portanto, o mundo tem três Rafaéis: um arcanjo, um pintor e um tenista. Nós teremos quatro: esses três e o novo rebento, irmão do Xavier.

Mas, se nascer uma menina, então será Olívia. Este é um nome de altíssima categoria literária, já que foi inventado por Shakespeare, talvez como variante do masculino Oliver ou do feminino Oliva. Mas atenção: enquanto Oliva é um nome de origem latina que significa “azeitona” (a palavra “azeitona” é de origem árabe), Oliver provém do germânico Alfher, onde encontramos o nosso conhecido elemento “alf”, que, como sabemos, significa “elfo” e que também está presente em Alfredo, nome considerado recentemente, e ainda “heri” que significa “guerreiro”, e que deu em português Álvaro. Portanto, Oliver em inglês seria Álvaro em português, e não Olivério, que também existe, e que é até o nome de um desportista famoso, Olivério Serpa. Segundo uma outra teoria, Oliver virá do nórdico Olaf, em português Olavo, que significa “filho do seu pai”, o que parece ser uma constatação redundante, mas temos de admitir que os viquíngues gostassem de realçar essa circunstância óbvia. Inclino-me para a primeira explicação, de que Oliver corresponde a uma deturpação na grafia de Álvaro, por analogia com o nome Olive, é verdade, e que, portanto, Olívia corresponderia a Álvara, com o bonito significado de “guerreira dos elfos”. No nosso caso, isto é um tiro na mouche.

Shakespeare inventou esse belo nome, Olívia, na sua peça Twelfth Night, or What You Will, uma comédia cujo título em português é Noite de Reis. Para quem não conhece, temos aqui um resumo e também uma gravura, onde vemos Malvólio (belo nome!) tentando fazer a corte à bela Olívia, que o esnoba descaradamente, enquanto a criada Maria faz um esforço para não se desmanchar a rir.



Há também um filme de 1996, baseado na peça, com o mesmo título, Twelfth Night, cujo trailer está aqui. Aposto que a nossa Olívia adorará este filme e as peripécias por que passa a heroína sua homónima. E nós teremos mais um filme para ver em família, divertindo-nos todos com a história e ao mesmo tempo desfrutando da felicidade da nossa Olívia.



Curiosamente, as principais Olívias são ficcionais: além da Olívia de Shakespeare, temos a Olívia Palito, célebre namorada de Popeye, na banda desenhada e, mais recentemente a Olívia Pope, na televisão.

Em relação à Olívia Palito, no entanto, há algumas questões a esclarecer. Primeiro, na verdade, ela não devia ser Olívia, mas sim Oliva. O nome do boneco, criado pelo cartoonista americano Elzie Crisler Segar, é Olive Oyl e não Olivia Toothpick. Quer dizer, a tradução do nome próprio deveria ser Oliva, que também existe em português, e corresponde a azeitona, tal como “olive” em inglês, e não a Olívia, que não tem nada a ver, como vimos.

Se Segar chamou ao boneco Olive e não Olivia, é porque queria distinguir. O nome Oliva existe com certeza em português, vindo diretamente do italiano. Aliás, há três santas italianas com esse nome: Santa Oliva de Bréscia, do século II,  Santa Oliva de Palermo, do século V, Santa Oliva de Anagni, também do século V. Todas estas eram Olivas (azeitonas), e não Olívias (guerreiras), se bem que atualmente se lhe dê este outro nome, erradamente, tal como demonstrámos.

Notemos que o erro está instalado e tristemente o nome Oliva nem sequer figura na lista de nomes autorizados.

Em relação a Olívia Palito, o apelido de família era Oyl, que faz o trocadilho com Olive, é claro, e não tem qualquer relação com a alegada magreza da personagem que o apelido escolhido no nome em português parece querer insinuar. De facto, Olive Oyl nem sequer era muito magra: era sim elegante. E não era particularmente feia: todos os bonecos do Segar na história do Popeye eram grotescos e exagerados, a começar pelo próprio Popeye.



Se estes bonecos não primam pela beleza, por outro lado nós conseguimos fotografias originais da Olive Oyl que provam que ela até era uma miúda gira e bem vestida:



Atualmente, a Olivia mais conhecida é a Olivia Pope, da série de televisão Scandal, interpretada pela atriz Kerry Washington. Ainda não vi, mas quero ver. Eis o trailer, para abrir o apetite.
Recentemente, a Kerry Washington foi considerada pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes, no mundo. Do pequeno texto sobre a atriz, extraio a parte relativa à Olívia Pope: “combina coragem e compaixão, força e vulnerabilidade, paixão, disciplina de aço e lealdade até ao fim”. Um belo modelo para a nossa Olívia, portanto.

Na vida real, ainda que também no mundo do espetáculo, temos a Olívia Newton-John, parceira do Travolta no filme Grease, onde cantavam de um para o outro “you’re the one that I want”, servindo de inspiração a todos os pares de namorados da altura. Vejam a fantástica versão original, extraída do filme, de 1978, e também a saborosa recriação de 2002. A nossa Olívia há de adorar o filme e rapidamente aprenderá a dançar e a cantar como a Newton-John, não tenho quaisquer dúvidas.



Olívia ou Rafael, já chega de nos fazeres esperar. Toca a nascer!

2 comentários:

  1. Depois de várias semanas a respeitar as regras, pensaríamos que já as terias aprendido e afinal aparece agora outro nome que viola logo a primeira regraestabelecida já há mais de dois anos: não são permitidos acentos!!! Portanto Olívia está de fora, nem pode ser considerada!

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  2. Parece que os pais da criança acabaram por, como sempre, dar a volta a tudo e todos e escolher um nome aparentemente irregular à luz das regras impostas

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