Já da outra vez, a mãe e o pai do gaiato fizeram questão de um nome sem acentos. Foi esse o critério que tristemente excluiu nomes fantásticos como Maurício, Jerónimo, Sebastião e até Quetzalcoátl, e que desembocou num nome igualmente legítimo, Xavier, mas que não tem a sonoridade luminosa das palavras esdrúxulas, nem o impacto assertivo das terminadas em “ão” ou em “átl”.
Cremos que a insistência dos progenitores em recorrer apenas aos carateres do conjunto Unicode Basic Latin se deve à sua condição de emigrantes, que não querem ver o seu rebento discriminado na escolinha por ter um nome com sinais diacríticos. Esse cuidado, historicamente compreensível, é um tanto démodé, convenhamos, pois até a Beyoncé aderiu aos acentos e ninguém reclama.
Mesmo assim, façamos-lhes a vontade, com dois nomes que passam o critério da ausência de acentos com distinção e que têm muitos outros atributos favoráveis: Rosa, se for mulher, Roque, se for homem.
Diversos estudos científicos provam que não há, em nenhuma língua do mundo, nome feminino mais bonito do que Rosa. Acredito mesmo que, lá no fundo, todas as mulheres gostariam de ser Rosas, ainda que, por modéstia, não sejam capazes de o confessar.
No caso em discussão, nascendo a gaiata no Luxemburgo, o nome Rosa assentar-lhe-á que nem uma luva, pois podemos chamar-lhe Rosa Luxemburgo, recordando assim essa grande revolucionária e ícone do socialismo. Aliás, recordamo-la constantemente, pois temos sempre presente a sua frase talvez mais famosa: “a liberdade é a liberdade dos que não pensam como nós”. E ainda esta outra: “os que não se movem não reparam que estão acorrentados”.
Em Portugal, a mais famosa Rosa é certamente a Dona Rosa, do Pátio das Cantigas, cuja filha auspiciosamente chegou do Brasil, tal como este extraordinário clip tão bem documenta. A atriz era Maria das Neves, assim descrita por um fã: “popular atriz, nascida no Porto em 1895, faleceu em 1985. Não sendo uma vedeta de fantasia nem vedeta de charme foi sem dúvida nenhuma uma grande vedeta popular com uma enorme comunicação com o público. Robusta, sadia, maliciosa, sempre pronta a gracejar, por isso encarnava tão bem as vendedeiras, as varinas, as carvoeiras, mulheres de rua que ela copiava na perfeição”. Encontramos em Maria das Neves algumas das qualidades que queremos para a nossa Rosinha: robustez, saúde, malícia, bom humor. E podemos antecipar a sua excitação e orgulho de cada vez que, pelo Natal, passar na televisão o Pátio das Cantigas e puder fantasiar que trabalha na Praça da Figueira e que a sua filha está chegando do Brasil.
No sector hagiográfico distingue-se Santa Rosa de Lima, que contrabalança o caráter esquerdista da sua homónima polaco-alemã. Santa Rosa é a padroeira das Américas, o que atesta o seu elevado lugar no ranking dos santos. A sua biografia é muito interessante, ainda que em certos aspetos um tanto mórbida, destacando-se o seu trabalho em prol dos doentes e dos pobres.
É muito curiosa a história do seu nome. Pelos vistos, Santa Rosa nasceu Isabel, e Rosa é nome de “confirmação” religiosa que lhe foi dado pelo arcebispo. Ora Isabel/Rosa não gostava que lhe chamassem Rosa até que um padre a sossegou dizendo-lhe: “Pues hija, no es vuestra alma como una rosa en que se recrea Jesucristo?” Na verdade, não percebo bem o que o padre queria dizer.
Seja como for e nunca fiando, certamente que a proteção e influência de Santa Rosa serão muito benéficas à nossa gaiata.
Que Rosa é nome popular, ainda que estatisticamente pouco usado (há que reverter isso, urgentemente, mãe e pai da gaiata!), atesta-o uma das mais famosas canções populares portuguesas: “Ó Rosa, arredonda a saia”. Eis a letra, simples, superficialmente ingénua mas com fortes insinuações eróticas:
Ó Rosa, arredonda a saia,
Ó Rosa, arredonda-a bem!
Ó Rosa, arredonda a saia,
Olha a roda que ela tem!
Olha a roda que ela tem,
Olha a roda que ela tinha!
Ó Rosa, arredonda a saia,
Que fique bem redondinha!
A saia que traz vestida,
É bonita e bem feita,
Não é curta, nem comprida,
Não é larga, nem estreita.
Ainda no sector musical, encontramos o argumento definitivo para a escolha do nome Rosa para a gaiata: das canções do Brel, a minha preferida: “Rosa”, com um dos refrões mais conhecidos de toda a música popular:
Rosa rosa rosam
Rosae rosae rosa
Rosae rosae rosas
Rosarum rosis rosis
Vale a pena ouvir de novo.
Na canção, a Rosa era a prima do Brel, a quem ele se refere maliciosamente nestes termos: “C'est le temps où j'étais dernier, car ce tango rosa rosae, j'inclinais à lui préférer déjà ma cousine Rosa”. Mais adiante na canção, ele lembra “qu'il y a des épines aux Rosa”. De facto, convém não esquecer, mas em matéria de espinhos todas as mulheres são Rosas.
Para a eventualidade de nascer um gaiato, reservamos o nome Roque. Este também é um daqueles nomes estranhamente muito pouco usados no nosso país: não conheço nenhum Roque e nunca vi nenhum casal contemplar este belo nome para um filho seu.
Talvez seja porque o significado do nome se mantém muito obscuro. Todas as fontes apontam para que se trata de um nome de origem germânica, proveniente da palavra “hrok”, que significa “descanso”, ou da palavra “hrouh”, que significa “corvo”, ou ainda da palavra “rohon”, que significa “rugir”. Não considero plausível a versão do “descanso”, pois nenhum pai quer um filho preguiçoso, acho eu. Inclino-me mais para as outros. A possibilidade “corvo” faz de Roque um nome muito apropriado para o rapaz, pois, mesmo vindo ao mundo no longínquo Luxemburgo, as suas raízes estão em Lisboa, a cidade à qual São Vicente chegou numa barca, onde estavam pousados dois corvos, os quais aparecem no brasão da cidade. A possibilidade verbal, “rugir”, também se ajusta bem, já que o pai é um leão, possuidor de um rugido temível, e quem sai aos seus não é de Genebra, como está premonitoriamente escrito num famoso poster lá em casa.
Curiosamente, no jogo “A Lenda de Zelda: Espada do Céu”, existem uns pássaros muito giros, mas muito ferozes, chamados hroks. Isto só pode ser um lapso dos autores, que, certamente pouco versados no alto alemão antigo, confundiram hrok e hrouh. Como o pai e a mãe do gaiato são fãs da Wii, talvez cedo presenteiem o rebento com uma consola, e assim em breve o veremos lutando empenhadamente contra os seus homónimos. Seja como for, o Roque tem já um nickname ótimo para a sua presença digital: hrokhrouh, o corvo que ruge.
Em Portugal, o Roque mais popular é o Roque Santeiro, protagonista da telenovela brasileira com o mesmo nome. Os pais do rapaz estão desculpados por não conhecerem, já que passou em 1987. Vejam só o início do primeiro episódio, uma verdadeira pérola.
O Roque era interpretado pelo Wilker, mas quem fazia a festa era o Sinhozinho Malta e a Viúva Porcina, interpretados magistralmente pelo Lima Duarte e pela Regina Duarte. Acompanhavam-nos uma galeria de personagens inesquecíveis: o prefeito Florindo Abelha, sua esposa Dona Pombinha, a filha de ambos Dona Mocinha, o Zé das Medalhas, o Padre Hipólito, o galã Roberto Matias e muitos outros. A banda sonora era excelente.
Ficou desta novela, além de muita saudade e muita música, o célebre dilema hamletiano de Sinhozinho Malta: “Estou certo ou estou errado?”, perguntava ele, chocalhando as suas pulseiras de ouro. Muitos de nós repetimos essa questão metafísica, sem nos darmos conta de que estamos a citar o grande Sinhozinho Malta. Estou certo ou estou errado?
Roque corresponde ao italiano Rocco, o que nos remete para o célebre filme de Luchino Visconti, “Rocco e i suoi fratelli”, que em português ficou “Rocco e os seus irmãos”, quando devia ter ficado “Roque e seus irmãos”, é claro. Portanto, o nome Roque é de bom augúrio: por enquanto será apenas “Roque e o seu irmão”, mas daqui a mais dois anos certamente passará a ser como no filme: “Roque e os seus irmãos” ;-)
No filme, o Roque era o interpretado pelo Alain Delon, um rapaz de que as avós do gaiato certamente se lembram muito bem. Conto por isso com o apoio delas para a seleção do nome. (No filme também entra a Cláudia Cardinale, pelo que o apoio dos avôs está garantido.)
Um outro Rocky, também pugilista e durão, mas ficcional, inspirado no anterior, é o Rocky Balboa, interpretado pelo Stalone em seis grandes filmes ao longo de 30 anos: Rocky, Rocky II, Rocky III, Rocky IV, Rocky V e Rocky Balboa. Este Rocky está em sétimo lugar na lista os maiores heróis do cinema, ombreando com o Indiana Jones e o James Bond, entre outros, e, por conseguinte, é um personagem a considerar seriamente.
Concluímos que Roque/Rocky é nome de herói. Mas também é nome de santo: São Roque de Montpellier. Não sendo talvez de um santo tão poderoso como Santa Rosa de Lima, nem como São Francisco Xavier (santo protetor do irmão do novo gaiato), é inexplicável que seja tão raramente invocado, pois tem o cargo de santo padroeiro dos cirurgiões. Todos nós que já “fomos à faca” deveríamos, por uma questão de mera prudência, ter atempadamente metido uma cunha a São Roque, para que ele guiasse a mão do médico que nos ia operar.
Perante isto, auguramos para o nosso Roque uma brilhante carreira ou no box ou na medicina, ou nas duas! Em qualquer dos casos tem em quem se inspirar para se dar muito bem! No caso do box, pode ainda pedir conselhos ao avô materno, que praticou essa bela modalidade durante algum tempo.
É verdade que São Roque introduz ainda mais uma anomalia onomástica, pois no seu caso Roque seria nome de família, em francês Roch, aportuguesado para Roque, e não o nome próprio. Por outro lado, a circunstância de o nome ser alemão e o santo francês torna Roque um nome perfeito para um gaiato que vai nascer num país onde as duas grandes línguas—o francês e o alemão—convivem tão harmoniosamente.
Apesar de não ser propriamente um santo popular (se fosse haveria imensos putos chamados Roque), tem uma das principais igrejas de Lisboa, a igreja de São Roque, monumento nacional, ali no Largo Trindade Coelho, ao cimo da rua da Misericórdia. De acordo com o Trip Advisor é “só” a atração número 7 em Lisboa, a seguir ao Oceanário, ao Museu Gulbenkian, à Fundação Gulbenkian, ao miradouro da Senhora do Monte, ao Aquário Vasco da Gama e a Cascais Old Town. Um reviewer considera-a “breathtakingly beautiful church in the Bairro Alto área.” Ora toma!
Outro local onde existe um templo dedicado a São Roque é ... São Roque do Pico, nos Açores. Realcemos, a propósito, que só seis santos homens deram nome a municípios portugueses e um deles é precisamente São Roque. Os outros são Santo António, São Brás, São João (este com dois municípios), São Pedro e São Vicente. Se necessário fosse, isto constituiria prova mais que suficiente de que Roque é um nome genuinamente nosso.
Da ilha do Pico, que São Roque escolheu para se instalar (por assim dizer) escreveu Raul Brandão: “Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores, duma beleza que só a ele lhe pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atração. É mais do que uma ilha – é uma estátua erguida até ao céu e amolgada pelo fogo”. Tenho a certeza de que o pai e a mãe da gaiato, nas próximas férias ou na próxima gravidez, em vez de ir para a pirosa Lanzarote, rumarão ao Pico, com o seu Roque e o seu Xavier, passar uns dias na bela vila de São Roque do Pico, à sombra do vulcão. O R adorará e o X também.
Não querem acentos? Então ficamos assim: se for mulher, Rosa; se for homem, Roque. Estou certo ou estou errado?