Já da outra vez, a mãe e o pai do gaiato fizeram questão de um nome sem acentos. Foi esse o critério que tristemente excluiu nomes fantásticos como Maurício, Jerónimo, Sebastião e até Quetzalcoátl, e que desembocou num nome igualmente legítimo, Xavier, mas que não tem a sonoridade luminosa das palavras esdrúxulas, nem o impacto assertivo das terminadas em “ão” ou em “átl”.
Cremos que a insistência dos progenitores em recorrer apenas aos carateres do conjunto Unicode Basic Latin se deve à sua condição de emigrantes, que não querem ver o seu rebento discriminado na escolinha por ter um nome com sinais diacríticos. Esse cuidado, historicamente compreensível, é um tanto démodé, convenhamos, pois até a Beyoncé aderiu aos acentos e ninguém reclama.
Mesmo assim, façamos-lhes a vontade, com dois nomes que passam o critério da ausência de acentos com distinção e que têm muitos outros atributos favoráveis: Rosa, se for mulher, Roque, se for homem.
Diversos estudos científicos provam que não há, em nenhuma língua do mundo, nome feminino mais bonito do que Rosa. Acredito mesmo que, lá no fundo, todas as mulheres gostariam de ser Rosas, ainda que, por modéstia, não sejam capazes de o confessar.


No sector hagiográfico distingue-se Santa Rosa de Lima, que contrabalança o caráter esquerdista da sua homónima polaco-alemã. Santa Rosa é a padroeira das Américas, o que atesta o seu elevado lugar no ranking dos santos. A sua biografia é muito interessante, ainda que em certos aspetos um tanto mórbida, destacando-se o seu trabalho em prol dos doentes e dos pobres.
É muito curiosa a história do seu nome. Pelos vistos, Santa Rosa nasceu Isabel, e Rosa é nome de “confirmação” religiosa que lhe foi dado pelo arcebispo. Ora Isabel/Rosa não gostava que lhe chamassem Rosa até que um padre a sossegou dizendo-lhe: “Pues hija, no es vuestra alma como una rosa en que se recrea Jesucristo?” Na verdade, não percebo bem o que o padre queria dizer.
Seja como for e nunca fiando, certamente que a proteção e influência de Santa Rosa serão muito benéficas à nossa gaiata.
Que Rosa é nome popular, ainda que estatisticamente pouco usado (há que reverter isso, urgentemente, mãe e pai da gaiata!), atesta-o uma das mais famosas canções populares portuguesas: “Ó Rosa, arredonda a saia”. Eis a letra, simples, superficialmente ingénua mas com fortes insinuações eróticas:
Ó Rosa, arredonda a saia,
Ó Rosa, arredonda-a bem!
Ó Rosa, arredonda a saia,
Olha a roda que ela tem!
Olha a roda que ela tem,
Olha a roda que ela tinha!
Ó Rosa, arredonda a saia,
Que fique bem redondinha!
A saia que traz vestida,
É bonita e bem feita,
Não é curta, nem comprida,
Não é larga, nem estreita.
Ainda no sector musical, encontramos o argumento definitivo para a escolha do nome Rosa para a gaiata: das canções do Brel, a minha preferida: “Rosa”, com um dos refrões mais conhecidos de toda a música popular:
Rosa rosa rosam
Rosae rosae rosa
Rosae rosae rosas
Rosarum rosis rosis
Vale a pena ouvir de novo.
Na canção, a Rosa era a prima do Brel, a quem ele se refere maliciosamente nestes termos: “C'est le temps où j'étais dernier, car ce tango rosa rosae, j'inclinais à lui préférer déjà ma cousine Rosa”. Mais adiante na canção, ele lembra “qu'il y a des épines aux Rosa”. De facto, convém não esquecer, mas em matéria de espinhos todas as mulheres são Rosas.
Para a eventualidade de nascer um gaiato, reservamos o nome Roque. Este também é um daqueles nomes estranhamente muito pouco usados no nosso país: não conheço nenhum Roque e nunca vi nenhum casal contemplar este belo nome para um filho seu.
Talvez seja porque o significado do nome se mantém muito obscuro. Todas as fontes apontam para que se trata de um nome de origem germânica, proveniente da palavra “hrok”, que significa “descanso”, ou da palavra “hrouh”, que significa “corvo”, ou ainda da palavra “rohon”, que significa “rugir”. Não considero plausível a versão do “descanso”, pois nenhum pai quer um filho preguiçoso, acho eu. Inclino-me mais para as outros. A possibilidade “corvo” faz de Roque um nome muito apropriado para o rapaz, pois, mesmo vindo ao mundo no longínquo Luxemburgo, as suas raízes estão em Lisboa, a cidade à qual São Vicente chegou numa barca, onde estavam pousados dois corvos, os quais aparecem no brasão da cidade. A possibilidade verbal, “rugir”, também se ajusta bem, já que o pai é um leão, possuidor de um rugido temível, e quem sai aos seus não é de Genebra, como está premonitoriamente escrito num famoso poster lá em casa.

Em Portugal, o Roque mais popular é o Roque Santeiro, protagonista da telenovela brasileira com o mesmo nome. Os pais do rapaz estão desculpados por não conhecerem, já que passou em 1987. Vejam só o início do primeiro episódio, uma verdadeira pérola.

Ficou desta novela, além de muita saudade e muita música, o célebre dilema hamletiano de Sinhozinho Malta: “Estou certo ou estou errado?”, perguntava ele, chocalhando as suas pulseiras de ouro. Muitos de nós repetimos essa questão metafísica, sem nos darmos conta de que estamos a citar o grande Sinhozinho Malta. Estou certo ou estou errado?

No filme, o Roque era o interpretado pelo Alain Delon, um rapaz de que as avós do gaiato certamente se lembram muito bem. Conto por isso com o apoio delas para a seleção do nome. (No filme também entra a Cláudia Cardinale, pelo que o apoio dos avôs está garantido.)
Um outro Rocky, também pugilista e durão, mas ficcional, inspirado no anterior, é o Rocky Balboa, interpretado pelo Stalone em seis grandes filmes ao longo de 30 anos: Rocky, Rocky II, Rocky III, Rocky IV, Rocky V e Rocky Balboa. Este Rocky está em sétimo lugar na lista os maiores heróis do cinema, ombreando com o Indiana Jones e o James Bond, entre outros, e, por conseguinte, é um personagem a considerar seriamente.
Concluímos que Roque/Rocky é nome de herói. Mas também é nome de santo: São Roque de Montpellier. Não sendo talvez de um santo tão poderoso como Santa Rosa de Lima, nem como São Francisco Xavier (santo protetor do irmão do novo gaiato), é inexplicável que seja tão raramente invocado, pois tem o cargo de santo padroeiro dos cirurgiões. Todos nós que já “fomos à faca” deveríamos, por uma questão de mera prudência, ter atempadamente metido uma cunha a São Roque, para que ele guiasse a mão do médico que nos ia operar.
Perante isto, auguramos para o nosso Roque uma brilhante carreira ou no box ou na medicina, ou nas duas! Em qualquer dos casos tem em quem se inspirar para se dar muito bem! No caso do box, pode ainda pedir conselhos ao avô materno, que praticou essa bela modalidade durante algum tempo.
É verdade que São Roque introduz ainda mais uma anomalia onomástica, pois no seu caso Roque seria nome de família, em francês Roch, aportuguesado para Roque, e não o nome próprio. Por outro lado, a circunstância de o nome ser alemão e o santo francês torna Roque um nome perfeito para um gaiato que vai nascer num país onde as duas grandes línguas—o francês e o alemão—convivem tão harmoniosamente.



Não querem acentos? Então ficamos assim: se for mulher, Rosa; se for homem, Roque. Estou certo ou estou errado?