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terça-feira, 29 de abril de 2014

Nome do dia: Frederica, Alfredo

Não é com certeza pela quantidade de praticantes de um nome, seja na perspetiva parental, de quem o escolhe para o seu rebento, seja na filial, de quem tem de o ostentar toda a vida, que se mede a qualidade do mesmo. A qualidade é intrínseca, vem da etimologia, da rede de conceitos que o nome consigo arrasta e da inerente estética sonora e literária.

Frederica é um belo nome, em qualquer parte do mundo, ainda que nesta forma só nos países de língua portuguesa e nos de língua inglesa. Como tal, é perfeitamente adequado à gaiata, que tem costela algarvia e que há de passar muitos verões nesta bela província, onde toda a gente é fluente no idiomas de Camões e no de Shakespeare.

A propósito da proximidade algarvia das duas línguas, eis um bom exemplo: à esquerda o soneto 28 de Shakespeare traduzido por Vasco Graça Moura e à direita o original. Qual é melhor? Difícil dizer!

Posso voltar à leda condição
sem ter descanso ao menos que me anime?
O dia oprime e vir a noite é vão,
a noite ao dia, o dia à noite oprime,
reinos adversos que em consentimento
se dão as mãos a torturar-me e basta,
um por fadiga, o outro por lamento
de mais penar que mais de ti me afasta.
Que és claro digo ao dia a ver se agrado,
que lhe dás graça indo as nuvens altas,
e à noite lisonjeio o turvo estado,
que a não haver estrelas tu a esmaltas.
  Longas penas diárias traz-me o dia,
  maior pena noturna a noite cria.

How can I then return in happy plight,
That am debarred the benefit of rest?
When day’s oppression is not eased by night,
But day by night and night by day oppressed?
And each (though enemies to either’s reign)
Do in consent shake hands to torture me,
The one by toil, the other to complain
How far I toil, still farther off from thee.
I tell the day to please him thou art bright,
And dost him grace when clouds do blot the heaven;
So flatter I the swart-complexioned night,
When sparkling stars twire not thou gild’st the even.
  But day doth daily draw my sorrows longer,
  And night doth nightly make grief’s length seem stronger.

Se Frederica é um belo nome, Alfredo não o é menos. Neste caso, coincide em português e italiano, o que é uma característica valiosíssima.

Esta curiosa coincidência de línguas remete-nos novamente para Vasco Graça Moura, que, além de traduzir Shakespeare do inglês, traduziu Petrarca do italiano. Eis o célebre poema “Pace non trovo”, no original português e na sua tradução italiana, perdão, é ao contrário:

Nem tenho paz nem como fazer guerra,
espero e temo e a arder gelo me faço,
voo acima do céu e jazo em terra,
e nada agarro e todo o mundo abraço.

Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,
nem por seu me retém nem solta o laço,
e não me mata Amor, nem me desferra,
nem me quer vivo ou fora de embaraço.

Vejo sem olhos, sem ter língua grito,
anseio por morrer, peço socorro,
amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,

nutro-me em dor, rio a chorar aflito,
despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.
Pace non trovo e non ho da far guerra
e temo, e spero; e ardo e sono un ghiaccio;
e volo sopra 'l cielo, e giaccio in terra;
e nulla stringo, e tutto il mondo abbraccio.

Tal m'ha in pregion, che non m'apre nè sera,
nè per suo mi riten nè scioglie il laccio;
e non m'ancide Amore, e non mi sferra,
nè mi vuol vivo, nè mi trae d'impaccio.

Veggio senz'occhi, e non ho lingua, e grido;
e bramo di perire, e chieggio aita;
e ho in odio me stesso, e amo altrui.

Pascomi di dolor, piangendo rido;
egualmente mi spiace morte e vita:
in questo stato son, donna, per voi.

O “al” inicial de Alfredo dá-lhe um sabor algarvio, insinuando uma falsa origem mourisca. Na verdade, Alfredo não vem do árabe, mas sim do inglês antigo Ælfræd, assim mesmo, com duas ligaturas æ, caso raro. O nome é a junção de dois componentes “ælf”, que significa elfo, e “ræd”, que significa conselheiro. Portanto, Alfredo é o conselheiro dos elfos ou, talvez, um conselho de elfos. Os elfos eram seres belos e luminosos, meios-deuses, mágicos, do estilo das fadas ou das ninfas. Na mitologia escandinava simbolizam os quatro elementos: fogo, água, ar e terra.


O primeiro Alfredo que que reza a história é Alfredo o Grande, rei de Wessex, na Grã-Bretanha, no século IX, antes de haver Inglaterra propriamente dita. Andou à pancada com os viquingues entre outras atividades notáveis. Numa “eleição” em 2002 ficou em 14º na lista dos “100 maiores britânicos”. Nada mau!

Temos outros Alfredos notáveis, mais recentes: Alfredo Nobel, célebre industrial sueco, que inventou a dinamite e que, com os lucros do negócio dos explosivos instituiu o prémio Nobel, pois claro; Alfredo Hitchcock, cineasta britânico, que associamos a uma série de fantásticos filmes de suspense e que criou de algumas da cenas mais castiças da história do cinema, como esta, do filme Psycho, em que a Janet Leigh está calmamente a tomar duche quando entra o assassino; e Alfredo di Stéfano, um dos maiores futebolistas de todos os tempos, a par de Pelé, Eusébio, Maradona e Cristiano Ronaldo.

Em Portugal, distinguem-se o Alfredo Kiel, que escreveu a música do hino nacional e que à conta disso tem ruas e pracetas em tudo quanto é sítio, e o Alfredo da Costa, que deu nome à maternidade lisboeta onde meio-mundo nasceu.


Um outro Alfredo muito popular, ainda que através do diminutivo, era o Alf, um simpático extra-terrestre cuja nave caiu na garagem de uma família americana, da qual passou a fazer parte.



Para quem nunca viu, ou viu e tem saudades, aqui vai um resumo com o best of Alf.

Nem todos os miúdos têm o gozo de ter um boneco tão giro com quem se identificarem. Mas temos de assinalar, em abono da verdade, que sendo Alf diminutivo de Alfredo, em geral, neste caso particular tratava-se sim de uma abreviatura para “alien life form”.

No capítulo dos detentores de diminutivos de Alfredo temos ainda o Alfie, protagonista do filme homónimo, uma das pérolas dos cinema dos anos 60, com o Michael Caine ainda novinho. O filme era muito giro, e a canção principal é um dos maiores clássico da dupla Burt Bacharach-Hal David . Ei-la aqui cantada pela Cilla Black, uma simpática moça daquela época. O primeiro verso é famosíssimo, e podemos usá-lo com o nosso Alfredo, sempre que ele estiver a pedi-las: “What’s it all about ... Alfie”.
Continuando no setor cinematográfico, agora para os lados de Itália, como o Petrarca, temos o filme Alfredo, Alfredo, neste caso com o Dustin Hoffman ainda novinho, que eu vi ali há pouco mais de 40 anos. Eis um clip, de algumas cujas cenas eu não me lembro, porque provavelmente foram cortadas (isto era antes do 25 de abril).

Ainda em Itália, mas transferindo-nos para o campo gastronómico, temos uma das maravilhas da cozinha italiana, o molho Alfredo: 60 gramas de manteiga, 90 gramas de parmesão,1/4 litro de natas (eu usaria iogurte grego), uma chávena  (de chá) de salsa picada, 1 dento de alho esmagado. Derrete-se a manteiga numa frigideira em lume brando. Acrescenta-se as natas (ou o iogurte grego, digo eu), deixa-se cozer sempre em lume brando, durante 5 minutos. Adiciona-se o alho e queixo e mistura-se bem, deixando que fique bem quente. Por fim, junta-se a salsa, mistura-se tudo e serve-se.  Serve-se com qualquer tipo de massa, claro, mas de preferência com fettuccine, se houver. Se for fettuccine, teremos o famoso fettuccine Alfredo, que tenho a certeza o nosso gaiato comerá com gosto e chorará por mais.

Fica assim provado que Alfredo é dos nomes mais cosmopolitas e versáteis do rol. Augura ao nosso gaiato uma carreira ou na indústria dos explosivos ou no cinema ou no futebol ou na restauração ou na obstetrícia, tudo setores fulcrais da sociedade.

Uma observação superficial faria supor que Frederica e Alfredo estão relacionados, por causa do “fred” que partilham, mas não. Já vimos que Alfredo vem dos elfos, da fria e enevoada Albion. Ora Frederica é a forma feminina de Frederico, que vem da autoritária e belicosa Germania. Frederico corresponde ao alemão Friedrich, que é a junção de “frid”, significando paz, e de “ric”, significando chefe ou poder. Compreende-se que com este significado de chefe pacífico ou poder apaziguador, o nome Frederico se tenha mantido exclusivamente masculino durante muito tempo. Por isso mesmo, Frederica, agora no feminino, é uma marca da luta das mulheres pela igualdade de direitos e, portanto, é um nome muito apropriado para a nossa gaiata.

Na verdade, é um nome ainda pouco usado, fora do circuito das princesas alemãs. De entre estas, a minha preferida é a princesa Frederica de Hanover, de seu nome completo Frederica Sofia Maria Henriqueta Amélia Teresa.


Que pena não ser costume entre os plebeus como nós usar estes belos nomes múltiplos! Se fosse, a gaiata seria também Frederica Sofia Maria Henriqueta Amélia Teresa, não tenho dúvidas. Infelizmente parece que teremos de nos contentar com o mais democrático Frederica só, que também fica muito bem, até porque ela será a nossa princesinha.

Fora as princesas, merece destaque a meio-soprano norte-americana Frederica von Stade. Encontramo-la no YouTube, cantando o Somewhere, do West Side Story,  fazendo de Cinderela, na ópera de Rossini, e interpretando a canção ao luar, da ópera Rusalka de Dvorak. Três peças fantásticas. Aposto que a nossa Frederica terá muito orgulho nesta sua namesake mezzo-soprano.


Escolher é difícil só para os que não se preparam. Nós estamos preparadíssimos: Frederica, se for princesinha; Alfredo, se for principezinho.

domingo, 27 de abril de 2014

Xavideo # 19: Stevie Wonder

O Xavier tem uma nova paixao pelos seus oculos de sol, que agora nunca quer tirar. E hoje ao pequeno-almoco de Domingo, depois de comer um croissant com chocolate fresquinho ('ahte'), sentiu-se inspirado para uma pequena performance a Stevie Wonder.



Bom Domingo!
Vera

domingo, 20 de abril de 2014

Nome do dia: Benedita, Francisco

Na tribo dos programadores, muitas vezes se ouve dizer “para quê fazer simples, se podemos fazer complicado?” Isto não é para levar à letra, antes representa o desespero por não termos visto logo a solução simples para o problema e só a termos encontrado depois de muitas voltas e reviravoltas complicadas e complicativas.

Na questão da escolha do nome da nova gaiata ou do novo gaiato, temos um exemplo dessa clássica situação. A solução simples está bem à nossa frente e nós não a enxergamos! Por isso, andamos às voltas com soluções imaginativas, mas desnecessariamente complicadas.

Vejamos: o irmão mais velho chama-se como? Xavier. Que outro nome faz Xavier lembrar, imediatamente? Francisco, claro. Todos sabemos Xavier era inicialmente o nome da aldeia de onde vinha o tal Francisco que havia de ficar conhecido por São Francisco Xavier. Portanto, o nome próprio Xavier nem sequer existiria se não fosse pelo Francisco.

Francisco é um belo nome, em qualquer parte do mundo. É o nome do papa atual, e certamente o papa atual escolheu o nome por inspiração divina. Esta circunstância dá ao nome Francisco um selo de qualidade admirável, a que não somos indiferentes e a que muito menos devemos desprezar.
Ainda no setor religioso, Francisco tem dois santos altamente: o supracitado São Francisco Xavier e o incontornável São Francisco de Assis, fabulosa personalidade, para muitos a principal figura do cristianismo, desde Jesus Cristo.

Curiosamente, o nome original do frade era João Pedro Bernardão (em italiano Giovanni di Pietro di Bernardone), o que calha bem, pois o pai do gaiato é João, e assim, sub-repticiamente, dá ao filho o seu nome, e também o avô materno fica todo contente pois os seus dois nomes próprios ficam representados cabalisticamente, ainda que por ordem inversa.

A etimologia do nome é simples: Francisco significa … “francês”! No caso vertente, é o melhor que se pode arranjar, já que não consegui localizar nenhum nome próprio cuja etimologia remeta para “luxemburguês”. Fôssemos nós de extração brasileira, proporia Luxisco, mas receio que no consulado não aceitassem.

Apesar do significado do nome, os Franciscos mais famosos nem sequer vêm de França. Descontando os que são santos, em número um aparece o Francisco Sinatra, mais conhecido pelo seu petit-nom americano, Frank. A sua marca na cultura popular é indelével, desde o piroso strangers in the night ao fantástico New York, New York, passando pelo brincalhão something stupid, muito apropriado nesta ocasião, também porque é a meias a sua filha Nancy.

O nome completo do Sinatra era Francis Albert Sinatra, pelo que se os pais do nosso gaiato finalmente optarem por um nome duplo, o problema fica resolvido: Francisco Alberto.
Se o gaiato não for fã do Sinatra logo de início (admito que só comece a apreciar quando for mais velhinho), tenho a certeza que aderirá logo ao seu outro namesake Francisco Zappa, e não me admiraria que lá pelos 16 anos, quando começar a ter barba que chegue, deixe crescer um bigode e mosca à Frank Zappa. Frank Zappa: Montana.

Certos pais refreiam-se de dar o belo nome de Francisco aos seus rebentos com medo que eles fiquem conhecidos pelo diminutivo Chico. Não sei porquê. Ombreando em popularidade com o Sinatra, temos o Chico Moleza, tão bem reincarnado pelo irmão do novo gaiato, ainda recentemente, e que aqui vemos contracenando com o professor Josué e com a irrequieta Malvina:

Francisco é dos nomes mais internacionais que há, até por causa de San Francisco, cidade de onde vêm os iPhones (de onde vem o projeto dos iPhones, pois os iPhones propriamente ditos vêm da China…) e outras maravilhas da tecnologia e que foi há quase 50 anos a meca dos hippies, para onde todos nós que já por cá andávamos nessa altura queríamos ir, com flores no cabelo, claro.

Para a gaiata, podíamos escolher Francisca, e referi-la à Françoise Hardy, ídolo e modelo das avós da gaiata, tenho a certeza, com os seus icónicos cabelos lisos, que todas as miúdas dos anos 60 se esforçavam por copiar, mas isso seria óbvio de mais. Alternativamente, e socorrendo-nos novamente da inspiração papal, optamos por Benedita, que é o feminino de Bento, nome do papa emérito. É verdade que também existe Benta em português, que é um bonito nome aliás, com um toque medieval, mas não queremos que no futuro os pais caiam no erro de a educar com frases do estilo “ó Benta, ou te portas bem ou levas nas ventas” e “ó Benta, tu precisas é de água benta”. Com Benedita, não corremos esse risco.

Benedita (e Benta também) significa “abençoada”, o que é muito bonito, ainda que os abençoados pela sorte sejamos nós, que vamos ter o privilégio de a ver crescer.

Benedita é um nome pouco usado em Portugal. Com algum destaque popular, temos a interessante e jovial Benedita Pereira, estrela dos morangos com açúcar e mais ninguém. Por isso, o campo está praticamente livre para a nossa Benedita.

Em termos geográficos, sobressai a pujante freguesia da Benedita, no concelho de Alcobaça, de onde é natural a tia Encarnação. Se San Francisco, nos EUA, é a capital da tecnologia, Benedita, em Portugal, é a capital da indústria da cutelaria, sede da famosíssima marca ICEL. Vejam só este belo facalhão, fabricado na Benedita:

É na Benedita que se situa a famosa aldeia da Venda das Raparigas, onde antigamente passávamos quando íamos para o Porto, nos questionando sempre sobre a ambiguidade do nome: vendia-se lá raparigas ou as raparigas é que estavam lá a vender, por exemplo, facas da ICEL?

Quando íamos ao Porto pela Venda das Raparigas, não passávamos por Alcobaça, sede do concelho. Mas se fosse hoje, devíamos passar, e não apenas para visitar o túmulo de Pedro e Inês, esse casal pouco recomendável, no mosteiro, mas certamente para ir à pastelaria Alcoa comprar os melhores pastéis de nata do mundo, e talvez outras delícias da doçaria conventual. Claro que, se lá fôssemos uma vez, teríamos de lá voltar, como cantava a Maria de Lurdes Resende, numa das canções mais famosas da música popular, cujo refrão ficou impresso nos nossos genes: “quem passa por Alcobaça, não passa sem lá voltar” (o que agora é mais verdadeiro ainda, visto a pastelaria…)

Esta deambulação gastronómica leva-me a fazer uma proposta, por antecipação: cá para nós, os ovos benedict, que costumam alegrar os nossos pequenos-almoços, passarão a chamar-se “ovos à nossa Benedita”. Combinado?


Foi ou não foi simples escolher o nome, apoiando-nos simplesmente (passe a repetição) nas garantidas opções papais?


Benedita se for menina, Francisco, se for menino. Não compliquemos!

sábado, 19 de abril de 2014

Nome do dia: Gabriela, Gabriel

Gabriela e Gabriel são dois nomes de altíssimo valor literário, que auguram ao nosso novo rebento uma esplêndida carreira no campo das letras e, por extensão, nas artes em geral e, por mais larga extensão ainda, em qualquer domínio onde as capacidades criativas e de iniciativa pessoal sejam um requisito.

Gabriel Garcia Marquez, é claro, e Gabriela, de Jorge Amado, com certeza!

O nome Gabriel tem origem hebraica, como suspeitaríamos, e significa “homem de Deus” ou, em sentido lato, moderno, unissexo, “pessoa de Deus”. É um nome de um anjo que aparece na Bíblia em várias ocasiões, mas que ficou famoso sobretudo por o Senhor o ter incumbido da delicada e deveras espinhosa missão de anunciar a Maria que ela iria conceber o Seu filho e que havia de lhe dar o nome Jesus. Missão essa de que Gabriel se desembaraçou com muita competência, como o atestam os inúmeros quadros da Anunciação, espalhados pelas igrejas e museus de todo o mundo, dos quais este, do Leonardo da Vinci, é apenas um exemplo.

O valor documental deste quadro é duvidoso, pois não consta que o tio Leo tenha lá estado na ocasião, mas isso é o menos.

O anjo Gabriel, que também é santo, teve muita importância na história dos descobrimentos, pois deu o nome ao navio almirante da pequena armada de três naus de Vasco da Gama, na primeira viagem à Índia: São Gabriel, São Rafael e Bérrio, lembram-se? Também deu o nome ao navio almirante da subsequente armada de Pedro Álvares Cabral, aquela que por lapso descobriu o Brasil, mas parece que não se sabe se era o mesmo navio. Tenha sido o mesmo ou não tenha, a nau São Gabriel surge como o mais importante navio da história dos descobrimentos e, por conseguinte, da história de Portugal. Ponto.



O segundo Gabriel, imediatamente a seguir ao anjo, é o Garcia Marquez. Como alguém dizia ontem, Gabriel Garcia Marquez é o mais popular escritor da língua espanhola a seguir a Cervantes. Também acho. Aliás, acho ainda que um dos privilégios de ter nascido a partir da segunda metade do século XX, mais ou menos, é poder ler os livros do Gabriel Garcia Marquez. Eu ainda me lembro da primeira vez que li os cem anos de solidão e ainda hoje me dá um arrepio da espinha quando oiço ou leio de novo as primeiras linhas:

Muitos anos depois, ao enfrentar o pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas com paredes de barro e telhados de colmo construídas à beira de um rio de águas transparentes que corriam num leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente, que muitas coisas ainda não tinham nome e para as mencionar era preciso apontá-las com o dedo. Todos os anos, por volta do mês de Março, uma família de ciganos esfarrapados montava o seu acampamento perto da aldeia (…)

Quem diz que uma imagem vale mais do que mil palavras, é porque não leu isto.

(Nota: traduzi do original, eu próprio, só pelo gozo que me deu.)

De início, não se percebe bem aquela história de “conhecer o gelo”. Meia dúzia de páginas mais à frente fica explicado. Aureliano vai com o seu pai e irmão a uma espécie de feira ver uma “portentosa novidade” trazida pelos tais ciganos e que pertencera ao rei Salomão. Essa novidade estava guardada num cofre e quando um dos ciganos o abriu…

(…) saiu do cofre um cheiro glacial. Lá dentro, só havia um enorme bloco transparente, com infinitas agulhas internas nas quais se despedaçava em estrelas coloridas a claridade do crepúsculo. Desconcertado, sabendo que os miúdos estavam à espera de uma explicação imediata, José Arcádio Buendía atreveu-se a murmurar:
—É o maior diamante do mundo.
—Não—corrigiu o cigano—. É gelo.

Também me lembro muito bem do início do general no seu labirinto, o primeiro livro de Garcia Marquez que li no original, e que partilho aqui convosco, tal e qual:

José Palacios, su servidor más antiguo, lo encontró flotando en las aguas depurativas de la bañera, desnudo y con los ojos abiertos, y creyó que se había ahogado. Sabía que ése era uno de sus muchos modos de meditar, pero el estado de éxtasis en que yacía a la deriva parecía de alguien que ya no era de este mundo. No se atrevió a acercarse, sino que lo llamó con voz sorda de acuerdo con la orden de despertarlo antes de las cinco para viajar con las primeras luces. El general emergió del hechizo, y vio en la penumbra los ojos azules y diáfanos, el cabello encrespado de color de ardilla, la majestad impávida de su mayordomo de todos los días sosteniendo en la mano el pocillo con la infusión de amapolas con goma. El general se agarró sin fuerzas de las asas de la bañera, y surgió de entre las aguas medicinales con un ímpetu de delfín que no era de esperar en un cuerpo tan desmedrado.
«Vámonos», dijo. «Volando, que aquí no nos quiere nadie».

Vamos embora, depressa, que aqui ninguém nos quer. Grande Simão Bolívar!

Depois disto, sempre que posso leio o Garcia Marquez em espanhol.

E repito: quem diz que uma imagem vale mais do que mil palavras, é porque nunca leu estas 177.

Num registo mais pop, ou menos pop, consoante a perspetiva, temos o Peter Gabriel, vocalista inicial dos Genesis, que nos avisava faz agora 40 anos, que o cordeiro deitava-se na Broadway. É bom saber, já que estamos perto da Páscoa.

Mais recentemente, temos, vindo do outro lado do Atlântico, Gabriel, o Pensador, com as suas letras muito bem articuladas e os seus enérgicos raps.

É também do outro lado do Atlântico que nos chega o personagem mais destacado de toda a literatura de língua portuguesa: Gabriela, precisamente, a protagonista do romance Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado.

Eis as primeiras linhas:

Essa história de amor – por curiosa coincidência, como diria dona Arminda – começou no mesmo dia claro, de sol primaveril em que o fazendeiro Jesuíno Mendonça matou, a tiros de revólver, dona Sinhazinha Guedes Mendonça, sua esposa, expoente da sociedade local, morena mais para gorda, muito dada às festas de igreja, e o dr. Osmundo Pimentel, cirurgião-dentista chegado a Ilhéus há poucos meses, moço elegante, tirado a poeta. Pois, naquela manhã, antes de a tragédia abalar a cidade, finalmente a velha Filomena cumprira sua antiga ameaça, abandonara a cozinha do árabe Nacib e partira, pelo trem das oito, para Água Preta, onde prosperava seu filho.

Por curiosa coincidência, conseguimos uma foto do crime, mas, infelizmente, não da para confirmar se Dona Sinhazinha estava usando meias pretas:



Se o livro era bom, melhores ainda foram as telenovelas: a de 1975, com a fabulosa Sónia Braga, e a de 2012, com a estonteante Juliana Paes. Neste rol de “belezuras” que incarnaram Gabriela, devemos também referir a out of this world Filipa Melo, pela sua atuação na célebre reconstituição do Bataclan, por ocasião do sexagésimo aniversário do avô materno da nossa nova Gabriela (ou do nosso novo Gabriel, se for gaiato):


Entre as duas edições da novela houve um filme, em 1983, em que Gabriela era outra vez a Sónia Braga, como no original, e o Nacib era o Marcelo Mastroianni! E esta?

Desse filme ficou sobretudo a banda sonora, do Tom Jobim, que inclui o tema para Gabriela. Não confundir com a modinha para Gabriela, de Dorival Caymmi. Esta modinha serviu como tema de abertura da novela, cantado pela Gal Costa, e começa por dois dos mais conhecidos versos da nossa língua:

Quando eu vim para esse mundo
Eu não atinava em nada.

A nossa Gabriela há de adorar ter essas duas magníficas músicas, a do Jobim e a do Caymmi, criadas especialmente para si.

A Gabriela de Jorge Amado tinha muitos atributos que eu não vou enumerar, já que este despretensioso texto talvez venha a ser lido por crianças, mas posso pelo menos referir que ela era uma excelente cozinheira, como a foto acima documenta, aliás. Tenho a certeza de que a nossa nova Gabriela cedo aprenderá a fazer os famosos quitutes e outras iguarias. As receitas estão aqui.

A propósito de crianças, não me interpretem mal: Gabriela era muito popular entre a miudagem, e tinha um amigo, o Tuísca, por quem nutria uma afeição especial. Disso é testemunho esta cena, em que ela vai ao circo (com o Tonico Bascos, enfim…) ver a atuação do Tuísca.
Foi também depois de ter estado a lançar um papagaio com o Tuísca que ela teve de subir ao telhado, revelando grande destemor, num famoso episódio que ainda hoje é recordado com saudade por todos quantos tiveram a sorte de o testemunhar, em 1975 e em 2012.

Refiramos que Gabriela era também o nome verdadeiro da tia Mimi, irmã da bisavó Fernanda. A tia Mimi era uma pessoa especial, com um feitio difícil, que às vezes exasperava quem lidava com ela, mas de quem eu gostava muito, mesmo com todas as suas imperfeições, ou até, por causa das suas imperfeições. Tal como o primo Fernando Pessoa, neste caso Álvaro de Campos, também eu “estou farto de semideuses”.

A propósito do poema em linha reta, vejam-no, ainda que truncado, na famosa interpretação de Osmar Prado, enquanto Lobato, na novela “o clone”. Na mesma novela, há uma outra cena em que Lobato se socorre de Pessoa, de novo com alguns desvios em relação ao original:

Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro –
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.

O poema completo, fortíssimo, está aqui.

Portanto, se tivermos um rapaz, Gabriel; se tivermos uma rapariga, Gabriela. Fica o assunto resolvido na perfeição, já que, em ambas as formas, masculina ou feminina, se trata de um nome reconhecido internacionalmente, não tem acentos nem cedilhas, é bonito, sugestivo e sonoro, liga bem com qualquer dos apelidos que vier a ser escolhido e remete-nos para referências culturais poderosíssimas.

Mais alguma coisa?


Só esta frase, em expressivo português gabrieliano, que sintetiza o que desejamos para o novo rebento, seja menino ou menina: