Não é com certeza pela quantidade de
praticantes de um nome, seja na perspetiva parental, de quem o escolhe para o
seu rebento, seja na filial, de quem tem de o ostentar toda a vida, que se mede
a qualidade do mesmo. A qualidade é intrínseca, vem da etimologia, da rede de
conceitos que o nome consigo arrasta e da inerente estética sonora e literária.
Frederica é um belo nome, em qualquer parte do
mundo, ainda que nesta forma só nos países de língua portuguesa e nos de língua
inglesa. Como tal, é perfeitamente adequado à gaiata, que tem costela algarvia
e que há de passar muitos verões nesta bela província, onde toda a gente é
fluente no idiomas de Camões e no de Shakespeare.
A propósito da proximidade algarvia das duas
línguas, eis um bom exemplo: à esquerda o soneto 28 de Shakespeare traduzido
por Vasco Graça Moura e à direita o original. Qual é melhor? Difícil dizer!
Posso voltar à leda condição
sem ter descanso ao menos que me anime?
O dia oprime e vir a noite é vão,
a noite ao dia, o dia à noite oprime,
reinos adversos que em consentimento
se dão as mãos a torturar-me e basta,
um por fadiga, o outro por lamento
de mais penar que mais de ti me afasta.
Que és claro digo ao dia a ver se agrado,
que lhe dás graça indo as nuvens altas,
e à noite lisonjeio o turvo estado,
que a não haver estrelas tu a esmaltas.
Longas penas diárias traz-me o dia,
maior pena noturna a noite cria.
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How can I then return in happy plight,
That am debarred the benefit of rest?
When day’s oppression is not eased by night,
But day by night and night by day oppressed?
And each (though enemies to either’s reign)
Do in consent shake hands to torture me,
The one by toil, the other to complain
How far I toil, still farther off from thee.
I tell the day to please him thou art
bright,
And dost him grace when clouds do blot the
heaven;
So flatter I the swart-complexioned night,
When sparkling stars twire not thou gild’st
the even.
But day doth daily draw my sorrows
longer,
And night doth nightly make
grief’s length seem stronger.
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Se Frederica é um belo nome, Alfredo não o é
menos. Neste caso, coincide em português e italiano, o que é uma característica
valiosíssima.
Esta curiosa coincidência de línguas remete-nos
novamente para Vasco Graça Moura, que, além de traduzir Shakespeare do inglês,
traduziu Petrarca do italiano. Eis o célebre poema “Pace non trovo”, no
original português e na sua tradução italiana, perdão, é ao contrário:
Nem tenho paz nem como fazer guerra,
espero e temo e a arder gelo me faço,
voo acima do céu e jazo em terra,
e nada agarro e todo o mundo abraço.
Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,
nem por seu me retém nem solta o laço,
e não me mata Amor, nem me desferra,
nem me quer vivo ou fora de embaraço.
Vejo sem olhos, sem ter língua grito,
anseio por morrer, peço socorro,
amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,
nutro-me em dor, rio a chorar aflito,
despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.
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Pace non trovo e
non ho da far guerra
e temo, e spero;
e ardo e sono un ghiaccio;
e volo sopra 'l
cielo, e giaccio in terra;
e nulla stringo,
e tutto il mondo abbraccio.
Tal m'ha in
pregion, che non m'apre nè sera,
nè per suo mi
riten nè scioglie il laccio;
e non m'ancide
Amore, e non mi sferra,
nè mi vuol vivo,
nè mi trae d'impaccio.
Veggio
senz'occhi, e non ho lingua, e grido;
e bramo di
perire, e chieggio aita;
e ho in odio me
stesso, e amo altrui.
Pascomi di
dolor, piangendo rido;
egualmente mi
spiace morte e vita:
in questo stato
son, donna, per voi.
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O “al” inicial de Alfredo dá-lhe um sabor
algarvio, insinuando uma falsa origem mourisca. Na verdade, Alfredo não vem do
árabe, mas sim do inglês antigo Ælfræd, assim mesmo, com duas ligaturas æ, caso
raro. O nome é a junção de dois componentes “ælf”, que significa elfo, e “ræd”,
que significa conselheiro. Portanto, Alfredo é o conselheiro dos elfos ou,
talvez, um conselho de elfos. Os elfos eram seres belos e luminosos, meios-deuses,
mágicos, do estilo das fadas ou das ninfas. Na mitologia escandinava simbolizam
os quatro elementos: fogo, água, ar e terra.
O primeiro Alfredo que que reza a história é Alfredo
o Grande, rei de Wessex, na Grã-Bretanha, no século IX, antes de haver
Inglaterra propriamente dita. Andou à pancada com os viquingues entre outras
atividades notáveis. Numa
“eleição” em 2002 ficou em 14º na lista dos “100 maiores britânicos”. Nada
mau!
Temos outros Alfredos notáveis, mais recentes:
Alfredo Nobel, célebre
industrial sueco, que inventou a dinamite e que, com os lucros do negócio dos
explosivos instituiu o prémio Nobel, pois claro; Alfredo Hitchcock,
cineasta britânico, que associamos a uma série de fantásticos filmes de
suspense e que criou de algumas da cenas mais castiças da história do cinema,
como esta, do filme Psycho,
em que a Janet Leigh está calmamente a tomar duche quando entra o assassino; e Alfredo di Stéfano,
um dos maiores futebolistas de todos os tempos, a par de Pelé, Eusébio, Maradona e Cristiano Ronaldo.
Em Portugal, distinguem-se o Alfredo Kiel, que escreveu
a música do hino nacional e que à conta disso tem ruas e pracetas em tudo
quanto é sítio, e o Alfredo da
Costa, que deu nome à maternidade lisboeta onde meio-mundo nasceu.
Um outro Alfredo muito popular, ainda que
através do diminutivo, era o Alf, um simpático extra-terrestre cuja nave caiu
na garagem de uma família americana, da qual passou a fazer parte.
Para quem nunca viu, ou viu e tem saudades,
aqui vai um resumo com o best
of Alf.
Nem todos os miúdos têm o gozo de ter um
boneco tão giro com quem se identificarem. Mas temos de assinalar, em abono da
verdade, que sendo Alf diminutivo de Alfredo, em geral, neste caso particular
tratava-se sim de uma abreviatura para “alien life form”.
No capítulo dos detentores de diminutivos de
Alfredo temos ainda o Alfie,
protagonista do filme homónimo, uma das pérolas dos cinema dos anos 60, com o
Michael Caine ainda novinho. O filme era muito giro, e a canção principal é um
dos maiores clássico da dupla Burt
Bacharach-Hal David . Ei-la aqui cantada pela Cilla
Black, uma simpática moça daquela época. O primeiro verso é famosíssimo, e
podemos usá-lo com o nosso Alfredo, sempre que ele estiver a pedi-las: “What’s
it all about ... Alfie”.
Continuando no setor cinematográfico, agora
para os lados de Itália, como o Petrarca, temos o filme Alfredo, Alfredo, neste caso
com o Dustin Hoffman ainda novinho, que eu vi ali há pouco mais de 40 anos. Eis um clip, de algumas cujas
cenas eu não me lembro, porque provavelmente foram cortadas (isto era antes do 25 de abril).
Ainda em Itália, mas transferindo-nos para o
campo gastronómico, temos uma das maravilhas da cozinha italiana, o molho Alfredo:
60 gramas de manteiga, 90 gramas de parmesão,1/4 litro de natas (eu usaria
iogurte grego), uma chávena (de chá) de
salsa picada, 1 dento de alho esmagado. Derrete-se a manteiga numa frigideira
em lume brando. Acrescenta-se as natas (ou o iogurte grego, digo eu), deixa-se cozer
sempre em lume brando, durante 5 minutos. Adiciona-se o alho e queixo e mistura-se
bem, deixando que fique bem quente. Por fim, junta-se a salsa, mistura-se tudo
e serve-se. Serve-se com qualquer tipo
de massa, claro, mas de preferência com fettuccine, se houver. Se for
fettuccine, teremos o famoso fettuccine Alfredo, que tenho a certeza o nosso
gaiato comerá com gosto e chorará por mais.
Fica assim provado que Alfredo é dos nomes
mais cosmopolitas e versáteis do rol. Augura ao nosso gaiato uma carreira ou na
indústria dos explosivos ou no cinema ou no futebol ou na restauração ou na
obstetrícia, tudo setores fulcrais da sociedade.
Uma observação superficial faria supor que
Frederica e Alfredo estão relacionados, por causa do “fred” que partilham, mas
não. Já vimos que Alfredo vem dos elfos, da fria e enevoada Albion. Ora
Frederica é a forma feminina de Frederico, que vem da autoritária e belicosa
Germania. Frederico corresponde ao alemão Friedrich, que é a junção de “frid”,
significando paz, e de “ric”, significando chefe ou poder. Compreende-se que
com este significado de chefe pacífico ou poder apaziguador, o nome Frederico
se tenha mantido exclusivamente masculino durante muito tempo. Por isso mesmo,
Frederica, agora no feminino, é uma marca da luta das mulheres pela igualdade
de direitos e, portanto, é um nome muito apropriado para a nossa gaiata.
Na verdade, é um nome ainda pouco usado, fora
do circuito das princesas
alemãs. De entre estas, a minha preferida é a princesa
Frederica de Hanover, de seu nome completo Frederica Sofia Maria Henriqueta
Amélia Teresa.
Que pena não ser costume entre os plebeus como
nós usar estes belos nomes múltiplos! Se fosse, a gaiata seria também Frederica
Sofia Maria Henriqueta Amélia Teresa, não tenho dúvidas. Infelizmente parece
que teremos de nos contentar com o mais democrático Frederica só, que também
fica muito bem, até porque ela será a nossa princesinha.
Fora as princesas, merece destaque a
meio-soprano norte-americana Frederica
von Stade. Encontramo-la no YouTube, cantando o Somewhere, do
West Side Story, fazendo de Cinderela, na
ópera de Rossini, e interpretando
a canção ao luar, da ópera Rusalka de Dvorak. Três peças fantásticas. Aposto que a nossa Frederica terá muito
orgulho nesta sua namesake
mezzo-soprano.
Escolher é difícil só para os que não se
preparam. Nós estamos preparadíssimos: Frederica, se for princesinha; Alfredo,
se for principezinho.