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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Nome do dia: Ulisses

Nome do dia

Ulisses

Ulisses é o nome do mais astuto dos guerreiros da antiguidade. Foi ele que, por exemplo, teve a fantástica ideia do cavalo de Tróia, com o qual iludiu os sitiados troianos, assim acabando com a guerra que já durava há anos, tudo porque Páris, de visita a Esparta, se apaixonou pela bela Helena, esposa do rei Menelau, e levou-a. Menelau ficou piurso (como se compreende) e organizou um poderoso exército, cujo comando entregou ao seu irmão Agamémnon, para ir pedir contas ao pai de Páris, o rei Príamo, de Tróia. O cerco a Tróia durou dez anos e, se não fosse Ulisses, aposto que ainda hoje os gregos lá estavam, o que, diga-se, teria tido a vantagem de os manter alheados da atual crise financeira, entretidos que andariam a guerrear os troianos.

O invento de Ulisses ainda hoje é muito usado, sobretudo no mundo dos computadores. De facto, os cavalos de Tróia de hoje são uma espécie de vírus e não convém mesmo nada que os nossos computadores fiquem por eles infetados.

Para não haver equívocos ou mal-entendidos, tomemos desde já nota que sendo Ulisses grego, o nome Ulisses corresponde à variante latina. A variante original grega deu Odisseu em português, que também é um belo nome, sem dúvida, mas menos usado. É de Odisseu que vem o título do poema épico dos poemas épicos, A Odisseia, em que Homero relata as aventuras de Ulisses na viagem de regresso a casa, depois da guerra de Tróia. Esta odisseia de Ulisses não deve ser confundida com a odisseia de 2001, aquela que foi no espaço, onde pontificava o célebre computador HAL 9000, o tal que recusou a abrir as portas da cápsula espacial, quando o astronauta Bowman lhe pediu para o fazer, famosamente replicando “I’m sorry, Dave. I’m afraid I can’t do that.” Recordemos a cena: http://www.youtube.com/watch?v=kkyUMmNl4hk. Não convém mostrar o filme ao gaiato enquanto ele for novinho, não vá ele aprender a armar-se em mula com os pais, esquivando-se das ordens que eles lhe derem, usando a fórmula do HAL para com o Dave, substituindo Dave por Mom or Dad, consoante o caso.

O nome Ulisses/Odisseu tem um significado pouco simpático, mas justificável, atendendo ao contexto. Significa “aquele que está zangado”. Apresso-me a esclarecer que a zanga de Ulisses era contra os deuses, que lhe tornaram a vida tão difícil, e não contra a mãe como, por exemplo, no caso do nosso rei D. Afonso Henriques, ou contra o pai, como, por exemplo, no caso do nosso rei D. Pedro I. Portanto, estar zangado contra aqueles deuses impertinentes, que querem interferir em tudo, é uma reação que podemos considerar saudável. Comparativamente, as zangas daqueles dois reis portugueses com os seus progenitores tinham causas bem mais fúteis. Pior seria que os Ulisses, tanto o herói grego como o gaiato, se ficassem, impávidos e serenos, perante as injustiças de que são alvo ou perante as dificuldades que outros se divertem a colocar-lhes pela frente.

Os mais cinéfilos de entre nós poderiam pensar que papel de Ulisses na guerra de Tróia não terá sido muito importante, para além da brilhante ideia de construir o cavalo, pois no filme Tróia, de 2004, os atores principais eram o Brad Pitt, no papel de Aquiles, o Eric Bana, no de Heitor, e o Orlando Bloom, no de Páris. Os três aparecem em destaque no trailer, http://www.imdb.com/video/screenplay/vi3237937433/, mas ao Ulisses, nem vê-lo. Mesmo assim, o filme é interessante e representativo. Dele destaco esta pérola de sabedoria do rei Menelau, que também dominava muito bem a língua inglesa: “May the gods keep the wolves in the hills and the women in our beds!” A primeira parte, os pais do gaiato podem já ir-lhe explicando, até a propósito da história do capuchinho vermelho, mas talvez seja melhor deixar a segunda parte para daqui a mais uns anos.

Ulisses era o rei de Ítaca. Estamos a falar da ilha grega de Ítaca, http://www.greeka.com/ionian/ithaca/, onde, depois disto, tenciono ir passar em breve uma semana de férias, e não de Ithaca, NY, http://en.wikipedia.org/wiki/Ithaca,_New_York, cidade da famosa Cornell University, uma universidade da Ivy League, companheira portanto do Dartmouth College, onde a mãe do gaiato fez o seu MBA.



Ulisses era filho de Laertes e Anticleia. Esta circunstância feliz permite-nos rebatizar ficcionalmente os pais do gaiato, atribuindo-lhes estes bonitos nomes. Talvez nomes duplos: João Laertes e Vera Anticleia. Ficam ambos muito bem.

Aliás, como é do conhecimento público, Laertes era filho de Arcésio e de Calcomedusa, e sei que os meus compadres se reverão nestes personagens da mitologia grega, ou não fosse a minha comadre também Helena. Do lado materno, temos registo do avô de Ulisses, Autólico, que tenho a honra de representar nesta feliz ocasião, se bem que com algum embaraço, pois ao que consta Autólico era um famoso larápio, e da avó, Anfiteia, que, de acordo com a Odisseia, era muito chegada ao neto. Novamente com nomes duplos, obtemos José Arcésio, Helena Calcomedusa, Pedro Autólico e Maria Anfiteia. Só posso dizer que a família do nosso gaiato não fica a dever nada à da do grego, excetuando, bem entendido, aquele desagradável pormenor relacionado com a profissão de Autólico.

Ulisses casou-se com Penélope, em resultado de um complicado arranjo político relacionado com o casamento de Helena, filha de Tíndaro, rei de Esparta, que era giríssima e tinha muitos pretendentes, entre os quais Ulisses. As coisas iam dando para o torto entre os pretendentes que disputavam a mão de Helena, mas Ulisses, revelando desde cedo os seus dotes de bom negociador propôs a todos que entre eles jurassem defender aquele que Helena selecionasse, contra quem quer que o atacasse no futuro. O escolhido foi Menelau (como já sabemos) mas Ulisses não regressou de mãos a abanar, pois ficou com Penélope, filha de Icário, irmão de Tíndaro, e, portanto, prima direita de Helena.

Note-se que Helena sabia bem que Ulisses era muito esperto e talvez por isso tenha optado pelo mais previsível Menelau. Na célebre cena da Ilíada em que Helena passa em revista os pretendentes, ela responde assim a seu pai, quando este lhe pergunta quem é “este rapaz”:

Este é o filho de Laertes, Ulisses de mil ardis,
que foi criado na terra de Ítaca, áspera embora seja,
conhecedor de toda a espécie de dolos e planos ardilosos.


Ulisses e Penélope viviam muito felizes no seu palácio em Ítaca. Pouco depois de casar (isto é, estilo um ano depois, que não estou a ver Icário permitir atrevimentos ao ardiloso futuro genro…) nasceu Telémaco. A vida corria às mil maravilhas para o casalinho, mas, eis senão quando, a tal jura foi posta à prova: o galã Páris, príncipe de Tróia, raptou a bela Helena e os ex-pretendentes tiverem de se reunir para defender a honra do seu colega Menelau e aplicar o devido corretivo a Páris e à sua família. E lá foram todos cercar Tróia. Aquilo esteve animadíssimo, durante 10 anos, e muitas das batalhas foram vencidas pelos gregos usando truques inventados por Ulisses. O mais famoso desses truques foi o cavalo de Tróia, mercê do qual os gregos conseguiram finalmente entrar em Tróia e partir aquilo tudo. A devastação foi tal, que ficámos sem saber se Tróia existiu mesmo ou foi só uma criação literária de Homero.



Se Ulisses não foi o protagonista da guerra de Tróia, já que esse papel coube a Aquiles/Brad Pitt, pese embora dever-se a ela a resolução do conflito, foi o personagem principal da saga seguinte, a do regresso a casa. De facto, a guerra de Tróia durou 10 anos e nós pensaríamos que Ulisses, ao resolver a questão, rumaria saudoso de volta ao lar, onde Penélope o esperaria e o seu filho Telémaco já seria um homenzinho, a necessitar da presença do pai. No entanto, a viagem de Tróia até Ítaca incompreensivelmente demorou outros 10 anos. Ora a Grécia não é assim tão grande, e mesmo que na época as auto-estradas não fossem o que são hoje e a Ryanair ainda não tivesse sido inventada, é difícil justificar tal demora. Dá ideia que Ulisses não tinha pressa e que aproveitou para ficar a conhecer as zonas mais retrógradas do seu país, qual easyrider da antiguidade, http://www.imdb.com/title/tt0064276/.

A primeira paragem de Ulisses foi na terra dos lotófagos, isto é, dos que comem a flor de lótus, planta que hoje seria considerada um droga leve, pois quem a comesse ficava um bocado passado e esquecia-se do tempo e do espaço. A seguir teve um encontro violento com o ciclope Polifemo, filho de Posídon, deus do mar. Ulisses conseguiu safar-se e salvar os seus homens, depois de cegar Polifemo, com um espeto de madeira. Mas a tranquilidade não durou muito, pois passados uns dias chegou à terra dos Lestrigões. Os Lestrigões eram uma tribo de canibais gigantes e comeram quase todos os companheiros de Ulisses, o que foi muito desagradável. Além disso destruíram onze dos doze navios da frota, apedrejando-os com rochas enormes atiradas de cima dos recifes. Só o navio de Ulisses escapou, porque Ulisses, sempre astuto, o tinha escondido numa gruta.

Ultrapassados com relativo êxito estes obstáculos, Ulisses teve um caso amoroso com a deusa Circe, de que ainda hoje se fala em toda a Grécia. Naturalmente, a doce Penélope nunca soube de nada. Seguiu-se o episódio das sereias, às quais Ulisses conseguiu resistir, mas por pouco. Guiado pelas instruções de Circe, Ulisses viajou até ao fim do mundo para consultar o profeta Tirésias. Não foi fácil, pois Cila, o monstro de múltiplas cabeças dizimou a tripulação, só escapando Ulisses. Aventuras de perder o fôlego seguiram-se umas às outras, até que Ulisses foi capturado pela bela ninfa Calipso, que completamente apaixonada por ele, o prendeu na sua ilha, a ilha de Ogígia, durante sete anos. A este episódio dedica Camões dois versos, no canto segundo dos Lusíadas: “Que, se o facundo Ulisses escapou/De ser na Ogígia ilha eterno escravo”. Finalmente, Ulisses conseguiu fugir, com a ajuda da deusa Atena, que de entre os deuses do Olimpo era quem mais o apoiava, e mediante a intervenção de Zeus, o deus dos deuses. Ansioso por voltar a casa e à família, Ulisses fez-se de novo ao mar, mas Posídon, furioso porque Ulisses havia cegado o seu filho Polifemo, provocou uma tempestade tremenda que destruiu o navio de Ulisses. Felizmente, Atena velava por ele, e ajudou-o a chegar a Esquéria, terra dos marinheiros feácios, cuja princesa, Nausica, entusiasmada pelo relato das aventuras de Ulisses, lhe ofereceu um novo navio com o qual finalmente Ulisses conseguiu chegar a Ítaca e reunir-se com a família, não sem antes matar sem piedade uma série de coitados que sem êxito cortejavam Penélope, presumindo inocentemente que Ulisses não voltaria.

Para além das sucessivas aventuras de cortar a respiração, a história da viagem de Ulisses é curiosamente contraditória: por um lado, ele quer voltar para casa, por outro, parece não ter pressa. O perigo e o mistério seduzem-no, como no episódio das sereias ou no affaire com a deusa Circe. A viagem de Ulisses é, afinal, a viagem de um homem em busca do seu sonho, e representa a nossa inesgotável sede de conhecimento, a nossa necessidade de encontrar a verdade, de descobrir o mundo, até cumprirmos o nosso destino.

O significado da viagem de Ulisses é admiravelmente retratado no belo poema “Ítaca”, do poeta grego Constantino Cavafy (1863-1933), que traduzi diretamente do grego para português (“no joke”):

Agora que partes de regresso a Ítaca,
Pede que a viagem seja longa,
Cheia de aventuras, cheia de descobertas.
Lestrigões e Ciclopes,
E o furioso Posídon—não os receies:
Nunca encontrarás tais obstáculos no teu caminho
Enquanto elevados forem os teus pensamentos,
Enquanto uma emoção rara
Animar o teu espírito e o teu corpo.
Lestrigões e Ciclopes,
E o feroz Posídon—não os encontrarás,
A não ser que os tragas na tua alma,
A não ser que a tua alma os coloque à tua frente.

Pede que a tua viagem seja longa.
Que, em muitas gloriosas manhãs de verão,
Com tanto gozo, com tanta alegria,
Possas entrar em portos nunca vistos.
Que possas deter-te em mercados fenícios
Para comprar belas mercadorias,
Madre pérolas e corais, âmbares e ébanos,
Perfumes sensuais de todas as qualidades;
E que possas visitar muitas cidades egípcias
Para com os seus sábios tudo aprender.

Lembra-te de Ítaca a cada momento.
Voltar para lá é o teu destino.
Mas não apresses a viagem.
Será melhor que dure muitos anos,
Para que já sejas velho quando chegares à ilha,
Com as fortunas que juntaste ao longo do teu caminho,
E sem esperares que seja Ítaca a fazer de ti um homem rico.

Ítaca deu-te a admirável viagem.
Sem Ítaca, não terias partido.
Ítaca já não tem mais nada para te dar.

E se a achares pobre, Ítaca não te terá enganado.
Sábio como agora és, com a experiência que ganhaste,
Terás compreendido o que essas Ítacas significam.


Não consta na Odisseia, certamente por lapso de Homero, mas quando Ulisses andava pelo fim do mundo, navegou até ao Tejo e, achando o local bonito e o clima aprazível, fundou a cidade de Lisboa, chamando-lhe Ulisipo ou Ulisseia, o que não deixa de ser fascinante, pois sendo Ulisses grego, usava o nome Odisseu e não Ulisses e, portanto, a nossa capital deveria ter-se chamado Odisseia ou Odissipólis, qualquer coisa assim, mas não Ulisipo, convenhamos.

O lapso de Homero foi corrigido por Camões, seu discípulo, que refere o episódio da criação de Lisboa no canto terceiro:

E tu, nobre Lisboa, que no mundo
Facilmente das outras és princesa,
Que edificada foste do facundo,
Por cujo engano foi Dardânia acesa.


O facundo (eloquente, bem falante) é Ulisses e o último verso refere-se precisamente à conquista de Tróia (Dardânia, pois fica perto do estreito de Dardanelos), a qual foi incendiada (acesa). Tróia não foi incendiada por engano, claro, mas os troianos foram enganados com o truque do cavalo, imaginado pelo facundo.

Mais à frente, no canto oitavo, Camões volta ao tema, agora explicitamente identificando o facundo:

Ulisses é o que faz a santa casa
À Deusa, que lhe dá língua facunda;
Que, se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,
Cá na Europa Lisboa ingente funda.

Também o tio Fernando Pessoa recorda a fundação de Lisboa por Ulisses, na Mensagem, num poema que se chama precisamente Ulisses:

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.


Este que aqui aportou e nos criou é Ulisses, claro.

Estas intervenções dos dois mais representativos poetas portugueses demonstram, sem margem para dúvidas, que Ulisses, sendo um herói grego e universal, é também, por via da fundação de Lisboa, um herói eminentemente português. Tenho a certeza de que os nossos amigos gregos se orgulharão de o partilhar connosco.

Ulisses: um astuto e facundo guerreiro na antiguidade, um astuto e facundo Guerreiro na atualidade!

Beijinhos

2 comentários:

  1. Este post esta especialmente carregadinho de nomes bons para o gaiato: Laertes, Menelau, Arcésio, Autólico, Icário, Tíndaro, Telémaco.... Afonso e Pedro e que se constata seriam nomes menos bons!
    Vera Anticleia

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  2. Concordo absolutamente. Até apetece ter muitos filhos para poder usar estes belíssimos nomes!

    Pedro Autólico.

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