Escolher o nome do segundo filho é muito mais
fácil do que escolher o nome do primeiro, mas, paradoxalmente, é, ao mesmo
tempo, muito mais difícil.
Explico-me: por um lado o universo dos nomes
está reduzido de uma unidade: se antes havia N nomes possíveis, agora haverá
N-1, já que estará fora de questão repetir o nome do irmão mais velho. Portanto,
a dificuldade de escolha terá sofrido uma diminuição relativa de 1/N. Isto
admitindo, bem entendido, que não foram criados nomes novos entretanto, o que,
tenho de reconhecer, é uma hipótese otimista, que nem sempre se verifica. Nestas
condições, uma análise mais completa do problema leva-nos à conclusão de que,
no caso geral de terem sido criados X novos nomes após o registo do irmão mais
velho, o acréscimo relativo de dificuldade na escolha do nome do irmão mais
novo será de (X-1)/N.
Por outro lado, manda o bom senso que o nome
do segundo membro da prole seja da mesma classe, em termos gerais, que o
primeiro. Não faria sentido, numa família estruturada e funcional, que, por
exemplo, o primeiro filho se chamasse Quetzicoátl (nome que lamentavalmente foi
descartado em primeira opção para o irmão mais velho do núcleo familiar que é o
objeto desta nossa análise) e o segundo se chamasse José ou Manuel. Quando o
nome do primeiro filho é Quetzicoátl, é lógico e natural que o do segundo seja,
por exemplo, Xiuhcoátl, significando “serpente de fogo” (indiciando que o
gaiato se tornaria ou sportinguista, como o pai, dada a proximidade biológica
entre serpentes e lagartos, ou portista, dada a analogia entre serpente de fogo
e dragão) ou Cuauhtémoc, significando aproximadamente
“águia voadora” (nome muito apropriado dadas as simpatias clubísticas da mãe).
Mesmo assim, uma análise mais profunda, far-nos-ia neste caso optar por
Iccauhtli, que significa precisamente “irmão mais novo”.
Encontramos exemplos desta preocupação com a
regularidade onomástica em todos os ramos ascendentes do nosso novo gaiato ou
gaiata. Por exemplo, da parte do pai, temos Duarte e João, nomes de reis
portugueses, e Joana, nome de princesa; da parte da mãe, temos Vera e Diana,
dois nomes breves de grande impacto, com subtis conotações britânicas, assim
evocando a longa aliança entre o nosso País e a Inglaterra. As conotações
britânicas, para quem andar distraído, provêm dos Beatles, através de dois dos
mais célebres versos de Paul McCartney, na canção “When I’m sixty-four”, do
álbum Sargent
Pepper’s Lonely Hearts Club Band:
Grandchildren
on your knee
Vera, Chuck
and Dave.
Quanto a Diana, é o nome de uma princesa
inglesa bastante conhecida.
Um nível acima, encontramos o mesmo
comportamento. Com a avó materna temos Maria João, Duarte Manuel e Maria
Manuel. Regularíssimo, portanto: tal como no caso do pai, nomes de reis
portugueses, e neste caso até para as raparigas. Com o avô materno: Pedro João
e Luís Miguel, novamente o padrão dos reis portugueses. Com a avó paterna,
Isabel e Helena, dois nomes trissilábicos com seis letras, que encontramos
reunidos harmoniosamente também na simpática atriz Helena Isabel. Com o avô
paterno, José Eduardo, não pudemos testar a nossa teoria, pois não teve irmãos.
A necessidade de selecionar um nome compatível
com Xavier, nome do irmão mais velho, é óbvia e imperiosa. Para o caso de se
tratar de um rapaz, seguimos a técnica dos avós maternos do pai, o avô Acácio e
a avó Joana, de uniformizar o comprimento dos nomes e o número de sílabas,
aperfeiçoando-a, igualando também o comprimento das sílabas e ainda o padrão
vogais-consoantes.
Portanto, precisamos de um nome para o gaiato com
seis letras, com três sílabas, cada sílaba com duas letras e com o padrão igual
ao do irmão: consoante-vogal-consoante-vogal-vogal-consoante.
A busca foi trabalhosa, implicou muitas horas
de estudo, mas encontrámos o nome perfeito, que passa em todos os critérios: Rafael.
Para o caso de ser uma rapariga, aligeiramos
as restrições e contentamo-nos com a uniformidade do comprimento, mas alargamos
ao mesmo tempo o âmbito do padrão sonoro de forma a permitir nomes que são
palavras esdrúxulas, por serem os mais harmoniosos. Novamente após muito
estudo, chegamos ao nome perfeito, para uma gaiata irmã de Xavier: só pode ser
Olívia.
Note-se que Olívia segue o mesmo padrão sonoro
que Amélia, nome da primita mais chegada em termos etários. Além disso, o uso
de nomes femininos esdrúxulos com terminação no suave semiditongo “ia” está
muito presente em vários dos ramos ascendentes do nossa gaiata: a avó Lúcia,
avó paterna da mãe, a avó Mabília, avó paterna do pai, a avó Virgínia, avó
materna do avó materno, avó Estefânia, avó materna do avô materno da mãe, etc.
Saltamos aqui a questão do acento agudo, por a
considerarmos ultrapassada.
Além da semelhança lexicográfica, Rafael
partilha com Xavier uma forte componente religiosa: Xavier é nome de um santo
muito poderoso do século XIV e Rafael é nome de arcanjo que vem do antigo testamento.
Os arcanjos, recordemos, eram os anjos com
patente mais alta, no exército de Deus, por assim dizer. Convencionalmente há
sete arcanjos, cujos nomes na tradição católica são Miguel, Gabriel, Rafael,
Uriel, Salatiel, Jegudiel e Baraquiel. Se os três primeiros nomes são
relativamente comuns, os outros quatro nem por isso, o que é uma pena, pois são
também muito interessantes. Ficam aqui registados uma vez que, quem sabe, podem
servir numa próxima ocasião.
Rafael, nome de arcanjo, tem um significado
bíblico à altura: “Deus cura” no sentido de “Deus é quem nos cura” ou talvez,
digo eu, “Deus é quem nos salva”.
O arcanjo Rafael também é santo, tal como os
seus colegas Miguel e Gabriel. É frequentemente representado com um peixe,
circunstância que será certamente muito apreciada pelo Xavier, irmão mais velho
do nosso Rafael, ictiófilo confesso.
A história do peixe é muito edificante, e
merece ser lembrada:
Rafael surge na Bíblia disfarçado de gente,
como companheiro de viagem de Tobias, enviado por Deus para curar o pai de
Tobias da sua cegueira e libertar Sara, noiva de Tobias, da influência do
demónio Asmodeu. Consta que Asmodeu, o demónio, se apaixonou por Sara e não queria
que ela casasse com ninguém. De cada vez que Sara se casava, Asmodeu conseguia
entrar no quarto nupcial e matava o noivo, antes de o casamento se consumar.
Fez isto sete vezes. Sara estava desesperada, compreensivelmente.
Entretanto, o pai de Tobias, que morava na
cidade de Nínive, na
Mesopotâmia, encarregou-o de ir buscar
uma certa quantia em dinheiro numa cidade longíngua, Ecbátana, na Média, por feliz coincidência a
cidade onde vivia Sara. Rafael, enviado por Deus, disfarçou-se de homem e
ofereceu-se para acompanhar Tobias na viagem.
Durante a viagem, pararam certo dia nas
margens do rio Tigre. Aí, quando Tobias lavava os pés, foi atacado pelo tal
peixe, que quase lhe comeu o pé. Por sugestão do anjo, Tobias pescou o peixe e
tirou-lhe o coração, as guelras, o fígado e a bexiga.
A viagem continuou, até que chegaram a Ecbátana.
Nessa altura, Rafael contou a Tobias as terríveis provações por que Sara
repetidamente passava, e explicou-lhe
que ele, Tobias, tinha o direito de casar com Sara, porque era primo dela e o
parente mais próximo. Não sei o que terá Tobias pensado do assunto, mas, não se
assustem: o anjo ensinou Tobias a queimar o coração e o fígado do peixe para
afastar o demónio Asmodeu, quando ele atacasse na noite de núpcias.
O truque funcionou e o demónio foi parar ao
Egito. Esta parte não percebi muito bem, mas o facto é que Asmodeu nunca mais
voltou a chatear Tobias e Sara.
Houve uma grande festa, para celebrar o
casamento e a vitória sobre o demónio, após o que Tobias e Sara regressaram a Nínive
com o dinheiro do pai de Tobias. Para a felicidade ser mais completa, Rafael ensinou
Tobias a usar as guelras do peixe para curar a cegueira do pai, e, depois
revelou a sua identidade e voltou para o céu.
Descontando o arcanjo, que na verdade não é
humano, o Rafael mais ilustre é o Rafael
Santos de Urbino (em italiano Raffaello Sanzio da Urbino), pintor e
arquiteto da Renascença, que com Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci, forma a
tríade de grandes mestres desse período.
(escola de atenas)
Mais recentemente, temos o grande tenista
espanhol Rafael Nadal,
cujas inúmeras proezas tenísticas não caberiam neste breve texto. Vejam só esta amostra de alguns
dos seus melhores pontos.
Portanto, o mundo tem três Rafaéis: um
arcanjo, um pintor e um tenista. Nós teremos quatro: esses três e o novo
rebento, irmão do Xavier.
Mas, se nascer uma menina, então será Olívia.
Este é um nome de altíssima categoria literária, já que foi inventado por
Shakespeare, talvez como variante do masculino Oliver ou do feminino Oliva. Mas
atenção: enquanto Oliva é um nome de origem latina que significa “azeitona” (a palavra
“azeitona” é de origem árabe), Oliver provém do germânico Alfher, onde
encontramos o nosso conhecido elemento “alf”, que, como sabemos, significa
“elfo” e que também está presente em Alfredo, nome considerado recentemente, e ainda
“heri” que significa “guerreiro”, e que deu em português Álvaro. Portanto,
Oliver em inglês seria Álvaro em português, e não Olivério, que também existe,
e que é até o nome de um desportista famoso, Olivério
Serpa. Segundo uma outra teoria, Oliver virá do nórdico Olaf, em português
Olavo, que significa “filho do seu pai”, o que parece ser uma constatação
redundante, mas temos de admitir que os viquíngues gostassem de realçar essa circunstância
óbvia. Inclino-me para a primeira explicação, de que
Oliver corresponde a uma deturpação na grafia de Álvaro, por analogia com o
nome Olive, é verdade, e que, portanto, Olívia corresponderia a Álvara, com o
bonito significado de “guerreira dos elfos”. No nosso caso, isto é um tiro na
mouche.
Shakespeare inventou esse belo nome, Olívia,
na sua peça Twelfth Night, or What You
Will, uma comédia cujo título em português é Noite de Reis. Para quem não conhece, temos aqui um
resumo e também uma gravura, onde vemos Malvólio (belo nome!) tentando fazer a
corte à bela Olívia, que o esnoba descaradamente, enquanto a criada Maria faz
um esforço para não se desmanchar a rir.
Há também um filme de 1996, baseado na peça,
com o mesmo título, Twelfth Night,
cujo trailer está aqui.
Aposto que a nossa Olívia adorará este filme e as peripécias por que passa a
heroína sua homónima. E nós teremos mais um filme para ver em família,
divertindo-nos todos com a história e ao mesmo tempo desfrutando da felicidade
da nossa Olívia.
Curiosamente, as principais Olívias são
ficcionais: além da Olívia de Shakespeare, temos a Olívia Palito, célebre
namorada de Popeye, na banda desenhada e, mais recentemente a Olívia Pope, na
televisão.
Em relação à Olívia Palito, no entanto, há
algumas questões a esclarecer. Primeiro, na verdade, ela não devia ser Olívia,
mas sim Oliva. O nome do boneco, criado pelo cartoonista americano Elzie
Crisler Segar, é Olive Oyl e não Olivia Toothpick. Quer dizer, a tradução do
nome próprio deveria ser Oliva, que também existe em português, e corresponde a
azeitona, tal como “olive” em inglês, e não a Olívia, que não tem nada a ver,
como vimos.
Se Segar chamou ao boneco Olive e não Olivia,
é porque queria distinguir. O nome Oliva existe com certeza em português, vindo
diretamente do italiano. Aliás, há três santas italianas com esse nome: Santa Oliva
de Bréscia, do século II, Santa Oliva de
Palermo, do século V, Santa Oliva de Anagni, também do século V. Todas estas
eram Olivas (azeitonas), e não Olívias (guerreiras), se bem que atualmente se
lhe dê este outro nome, erradamente, tal como demonstrámos.
Em relação a Olívia Palito, o apelido de
família era Oyl, que faz o trocadilho com Olive, é claro, e não tem qualquer
relação com a alegada magreza da personagem que o apelido escolhido no nome em
português parece querer insinuar. De facto, Olive Oyl nem sequer era muito
magra: era sim elegante. E não era particularmente feia: todos os bonecos do
Segar na história do Popeye eram grotescos e exagerados, a começar pelo próprio
Popeye.
Se estes bonecos não primam pela beleza, por
outro lado nós conseguimos fotografias originais da Olive Oyl que provam que
ela até era uma miúda gira e bem vestida:
Recentemente, a Kerry Washington foi
considerada pela revista Time uma das 100 pessoas mais
influentes, no mundo. Do pequeno texto sobre a atriz, extraio a parte
relativa à Olívia Pope: “combina coragem e compaixão, força e vulnerabilidade,
paixão, disciplina de aço e lealdade até ao fim”. Um belo modelo para a nossa
Olívia, portanto.
Na vida real, ainda que também no mundo do
espetáculo, temos a Olívia Newton-John,
parceira do Travolta no filme Grease, onde cantavam de um
para o outro “you’re the one that I want”, servindo de inspiração a todos os
pares de namorados da altura. Vejam a fantástica versão original,
extraída do filme, de 1978, e também a saborosa recriação de 2002. A
nossa Olívia há de adorar o filme e rapidamente aprenderá a dançar e a cantar
como a Newton-John, não tenho quaisquer dúvidas.
Olívia ou Rafael, já chega de nos fazeres
esperar. Toca a nascer!